Há mais de dois anos, tudo o que se desenvolve no âmbito da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba é noticiado como sendo decorrente da Operação Lava Jato.
Em realidade, no início dessa megaoperação, existiam quatro investigações paralelas – com nomes distintos -, cujo foco eram quatro supostos doleiros. Eram elas: Operação Bidione (investigado principal Alberto Youssef), Operação Dolce Vita(investigada principal Nelma Kodama), Operação Casablanca (investigado principalRaul Srour) e Operação Lava Jato (investigado principal Carlos Habib Chater).
Oportuno ressaltar que das supostas atividades delituosas desenvolvidas nestes quatro núcleos investigativos, apenas aquelas relativas à Alberto Youssef se passavam no Estado do Paraná. As demais atividades eram desenvolvidas em Brasília/DF e São Paulo/SP, sendo bastante duvidosa a existência de conexão ou continência entre elas, aptas a ensejar a reunião da investigação e do futuro e eventual processo parente um juízo único.
A propósito, tratando-se a conexão e a continência (arts. 76 e 77, do CPP) de causas de modificação de competência – e portanto, de exceção ao princípio do juiz natural -, suas regras devem ser interpretadas de forma restritiva.
Em outros termos, a conexão e continência devem estar demonstradas – e não apenas supostas – para que efetivamente se determine a formação do simultaneus processus. Caso contrário, havendo dúvida sobre a existência de causas conexas ou continentes, os casos penais devem ser investigados e processados separadamente, cada qual em seu juiz natural.
É por esta razão que o STJ somente reconhece a modificação de competência quando “evidenciada a conexão entre os crimes” (STJ – CC 114.841, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 17.8.2011). Ou seja, a conexão deve ser reconhecida quando forcristalina: “as provas encontram-se entrelaçadas e as infrações apresentam claro liame circunstancial, incidindo a regra inscrita no art. 76 do Código de Processo Penal.” – g. N. – (STJ – CC 125.503, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira, DJe 30.8.2013)
Não é outra a solução adotada no direito comparado, que somente entende admissível o reconhecimento da conexão quando o vínculo seja cabalmente demonstrado e – mais! – a reunião de processos/inquéritos sejanecessária e não apenas possível:
“El nexo de unión: En todos estos casos aparece un material histórico que si bien no es simple, puede reducírselo procesalmente a una unidad, y aquí se descubre el objetivo de la competencia por conexión.Pero planteados en esta forma los diversos casos, no se presenta con toda la precisión la conexidad; es necesario que efectivamente exista el vínculo de unión entre los diversos sujetos o hechos. Para descubrirlo debemos remontarnos a las causas generadoras de los hechos y averiguar si no obstante la diversidad de personas y de acciones con variaciones en el tiempo y en el espacio, hay algún lazo que los une entre sí en forma que no sea sólo posible sino también necesaria la unificación de procedimientos. De otra manera no tendría objeto el apartamiento de las reglas generales y se crearía un sistema ilógico, perturbador de le administración de justicia.” (OLMEDO, 1945, p. 133) – g. N. –
Tudo o que se afirma serve de pano de fundo para concluir que no início da investigação dos fatos decorrentes das quatro operações inicialmente mencionadas (Casablanca, Dolce Vita, Bidione e Lava Jato) não havia liame concreto entre os fatos e os investigados que permitisse a reunião das investigações.
A propósito, essa questão foi reconhecida expressamente pelo Ministério Público Federal, que antes mesmo de oferecer denúncia em relação aos investigados naOperação Casablanca, reconheceu expressamente a incompetência territorial do Juiz Sérgio Moro (confira o parecer aqui), que ignorou a questão a até hoje segue competente para este caso penal.
Vale transcrever alguns trechos do parecer do MPF:
“Chama a atenção o fato de que todas as medidas de busca e apreensão ocorrerão emendereços situados no estado de São Paulo. Isso não ocorre à toa. Da investigação se infere que, se há crimes sendo praticados pelas pessoas físicas acima arroladas, esses crimes se estão consumando no estado de São Paulo. Se há operação sem autorização de instituição financeira (art. 16,da Lei 7.492/86), evasãode divisas (art. 22 da Lei 7.492/86) e lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei9.613/98), tudo isso vem ocorrendo no estado de São Paulo, por meio de pessoas físicas e jurídicas com domicílios no estado de São Paulo. Não há um só endereço situado na área de Seção Judiciária Federal do Paraná. Não há notícia de qualquer crime praticado pelo grupo criminoso no Paraná.(…) No presente caso, em que se caminha para o fim da investigação, já se percebe que os crimes investigados nos autos (…) vêm sendo praticados no estado de São Paulo. Este é o momento, portanto, de se analisar mais detidamente se esse Juízo é ou não competente territorialmente para a possível ação penal.(…) [o encontro fortuito de provas], contudo, não implica que a competência para o caso fortuitamente encontrado seja do Juízo que autorizou a interceptação telefônica que resultou no encontro fortuito (…).(…) Os autos mostram que os crimes aqui investigados vêm sendo praticadostodos no estado de São Paulo, então é na Seção Judiciária Federal de São Paulo que devem os crimes ser processados (…).Não se verificar conexão ou continência necessária. Esse mesmo Juízo já reconheceu que as atividades do suposto grupo criminoso comandado por Raul Srour se desenvolvem de forma independente e não subordinada [autos 5047968-84.2013.404.7000, evento 3]. As atividades desse grupo podem ser provadas de maneira separada, sem que seja necessário recorrer às provas das atividades do grupo criminoso comandado por Nelma Kodama, tanto que foram instaurados autos apartados [autos 5049747-74.2013.404.7000] de interceptação telefônica e telemática específicos para as atividades do grupo criminoso comandado por Raul Srour. Também não há risco de decisões contraditórias, pois a prova da operação não autorizada de instituição financeira pelo grupo comandado por Raul Srour pode ser produzida e analisada de maneira autônoma, como tem ocorrido no final da investigação.É interessante prever que, se todos as pessoas físicas e jurídicas investigadas têm domicílio no estado de São Paulo, e todas as provas nesse estado federado estão, então toda a instrução processual terá grande prejuízo, se realizada em Curitiba-PR (…). Não parece convir ao interesse público esse tipo de situação. (…).(…) Observe-se que, se se considerar que há conexão pelo fato de na interceptação telefônica ou telemática um doleiro, atuante na cidade X, entrar em contato com outro doleiro, atuante na cidade Y, para efetuar alguma troca ou compensação de confiança no sistema dólar-cabo, então bastaria que o Juízo autorizador da interceptação deferisse prorrogações sucessivas da interceptação dos dois doleiros que por certo identificaria mais e mais doleiros e seria responsável, esse único Juízo, pelo processo e julgamento de todos os crimes de operação não autorizada da instituição financeira do Brasil envolvendo dólar-cabo, já que é próprio do sistema dólar-cabo o contato frequente entre doleiros (…) para trocas, compensações ou negócios informais.(…)A circunstância de os fatos supostamente delituosos haverem sido descobertos no mesmo procedimento investigatório (interceptação telefônica e telemática, por exemplo) não implica conexão entre eles, nem unidade de processo e julgamento.”
Uma palavra final: na qualidade de defensor do acusado Raul, espera -se sinceramente que o Tribunal Regional Federal, o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal cumpram a Constituição – notadamente no que se refere ao Juiz Natural – e reconheçam a incompetência territorial do juiz Sérgio Moro em relação a essa fatia da “Operação Lava Jato”. Afinal, não há, no Brasil – ainda que alguns queiram -, juiz com jurisdição universal!
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