LOS ANGELES - Nos últimos 60 anos, pelo menos 40% dos conflitos armados registrados no mundo tiveram entre os fatores envolvidos a disputa pelo controle de recursos naturais. Mas, diferentemente do que era visto até a Segunda Guerra Mundial, estas disputas se deram majoritariamente dentro das fronteiras de um único país, com o acesso a água, terras férteis ou reservas minerais sendo usados como arma ou fonte de financiamento nas lutas pelo poder entre facções rivais. Neste contexto, muitos países ricos em recursos naturais, principalmente na África e Sul da Ásia, acabaram condenados a um ciclo de guerras civis e governos ditatoriais, diz Michael Ross, professor de Ciências Políticas da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e autor do livro “The oil curse: How petroleum wealth shapes the development of nations” (“A maldição do óleo: como a riqueza do petróleo molda o desenvolvimento de nações”, em tradução livre), lançado nos EUA pela editora da Universidade de Princeton e ainda sem previsão de publicação no Brasil.
Não é novidade que os humanos lutam entre si por recursos naturais há muito tempo, desde a pré-história, mas o que mudou nos últimos anos? Historicamente, os recursos naturais foram a causa de muitos conflitos internacionais. A busca por recursos foi muitas vezes a força por trás dos empreendimentos coloniais e mesmo recentemente, até a Segunda Guerra Mundial, uma importante motivação para os conflitos entre nações. O que mudou é que agora os recursos são motivo de disputa dentro dos países e apenas raramente entre países. O exemplo mais extremo que temos hoje é o da República Democrática do Congo, que há mais de uma década está sendo estraçalhada por um conflito em que o acesso a recursos naturais tem um papel importante.
Não vemos mais conflitos entre nações por causa de recursos?Este tipo de conflito praticamente desapareceu. A exceção mais clara é o caso do Iraque. A guerra com o Irã nos anos 80, a invasão do Kuwait nos anos 90 e a luta dos EUA para derrubar Saddam Hussein nos anos 2000 tiveram como pano de fundo o controle de poços de petróleo naquela região. Mesmo assim, outros fatores alimentaram estes conflitos do Iraque, como desavenças políticas e acusações de apoio a terroristas. Fora isso, hoje é extremamente raro ver países entrando em guerra pelo controle de recursos naturais.
Por que o senhor classifica o petróleo como uma maldição?Nos países que vivem sob um regime totalitário, quando também têm riqueza de recursos naturais como o petróleo, as ditaduras costumam durar muito mais e são menores a chances de se tornarem uma democracia. Na minha análise, países sem grandes riquezas de recursos têm três vezes mais chances de serem democráticos ou se tornarem democracias do que os com grandes reservas naturais. E embora a América Latina seja uma importante exceção, a valorização do petróleo nos últimos anos levou a uma erosão das instituições democráticas na Venezuela sob o comando de Hugo Chávez. Ele transformou a PDVSA (a estatal petrolífera venezuelana), que era uma empresa transparente, em uma caixa-preta. Algo similar também aconteceu na Rússia sob o governo de Vladimir Putin. Enfim, o petróleo pode ser uma maldição para alguns países em que sua exploração acaba virando uma fonte de dinheiro para o ditador investir em seu aparato militar, forças de segurança e na distribuição de favores, perpetuando-se no poder.
Mas essa maldição também vale para outras riquezas naturais além do petróleo?Em alguns casos, sim. Petróleo e diamantes são os recursos mais problemáticos globalmente. Países com outras riquezas minerais geralmente conseguem distribuir melhor os benefícios de sua exploração, pois a mineração é uma indústria que demanda trabalho intensivo. Isso faz com que mais pessoas sejam empregadas na exploração, diluindo a renda gerada entre seu povo e evita sua concentração nas mãos de uma empresa, de um ditador e alguns poucos aliados. Uma exceção é o Congo. Claro que os recursos naturais não são a única causa do conflito, mas o controle da mineração do coltan (mistura de dois mineiras — columbita e tantalita — de onde se extraem nióbio e tântalo, metais essenciais para fabricação de aparelhos eletrônicos portáteis, como celulares, e do qual o Congo tem pelo menos 64% das reservas mundiais) está por trás do banho de sangue lá.
E quanto ao futuro? À medida que a população da Terra aumenta e as mudanças climáticas cobram seu preço, poderemos ver um retorno das disputas internacionais tendo como alvo acesso à água ou a terras férteis, por exemplo?Antes de tudo, deixo claro que sou muito cético quanto à nossa capacidade de prever como o mundo será mesmo em um horizonte curto de cinco a dez anos. Dito isso, acho pouco provável que vejamos, mesmo com as mudanças climáticas, conflitos deflagrados pela disputa por terras e água. Creio que as maiores ameaças serão os refugiados e o colapso econômico, com as cidades e regiões produtivas se tornando inabitáveis ou de outra forma afetadas pelo clima, principalmente nos países mais pobres. Estes movimentos populacionais podem gerar atritos internos e externos, com as pessoas migrando para países mais ricos ou melhor protegidos.
Mas não haveria uma pressão maior de lutar se for uma questão de sobrevivência?Acredito que sempre existirão conflitos de interesse entre países quanto ao controle de recursos naturais, especialmente os que atravessam fronteiras, como rios e zonas de pesca, ou mesmo quanto à poluição que vai de um para outro. Estes casos serão sempre uma fonte de desentendimentos, mas a questão é se serão resolvidos pela força. As soluções violentas continuarão a ser pouco prováveis. A realidade é que estas disputas internacionais quase nunca escalam ao ponto de termos bombardeios ou invasões, uma guerra aberta. Elas tendem a ser resolvidas por meio da diplomacia e tratados internacionais. Não importa o quão raivosos os diplomatas fiquem e gritem uns com os outros, no fim chegam a um acordo para evitar os prejuízos que uma guerra traria para todos os lados envolvidos. Nada indica que as disputas ambientais e por recursos naturais serão mais difíceis de resolver ou tratadas de uma forma diferente de outras questões, que serão uma exceção e sairão de um padrão mais amplo de resolução pacífica. Haverá muita discussão, mas no final os países encontrarão alguma maneira de conviver pacificamente, já que uma guerra só drenaria ainda mais seus parcos recursos. É muito difícil tirar vantagens de riquezas obtidas por meio da violência, é muito fácil estragar as fontes de recursos naturais. Na História recente, todas as vezes que um país tentou capturar recursos naturais por meio da guerra acabaram em desastre para a nação agressora, como para o Iraque, e não creio que outros países seguiriam essa estratégia.
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